Crédito educativo para ter futuro ou para virar escravo de um banco?

 Desde 2016, o crédito educativo nos Estados Unidos afundou em uma crise sem precedentes, culminando em 20% de inadimplência ao final de 2017. No Brasil, a situação não é diferente: de 2,7 milhões de contratos, há 453 mil inadimplentes, ou 16,78% do total. 

A situação é preocupante, pois a política de crédito educativo, segundo a Constituição Federal, deve ser uma política de Estado e não de governo. Além disso, a concessão do crédito educativo e a forma de lidar com aqueles que não conseguem pagar a dívida deveriam estar sujeitas a critérios especiais, e não seguir as regras convencionais impostas pelas instituições financeiras. 

Como isso não está sendo feito, a situação ganha contornos mais dramáticos ainda. A inadimplência está levando milhares de jovens a serem negativados nos órgãos de restrição ao crédito e até a processos de execução pendentes na Justiça, bem no momento em que precisam disputar o mercado de trabalho. 

Ao apresentar o livro “Superendividamento”, de Geraldo Martins Costa (Ed. RT, 2002, p. 13), citando precedente dos tribunais na Alemanha sobre o controle judicial de contratos bancários, a professora Cláudia Lima Marques escreveu: “A novidade foi considerar contrária aos bons costumes uma exigência mais fictícia do que real, isto é, um aval por uma pessoa sem patrimônio, um filho estudante ou uma dona de casa, sem condições reais de pagar a dívida (muito estudante ou uma dona de casa, sem condições reais de pagar a dívida (muito superior às suas possibilidades atuais) e que necessitaria passar toda a sua vida a trabalhar para pagá-la, uma verdadeira dívida asfixiante se exigida no futuro”. 

Isso, como disse a professora Cláudia, foi considerado contrário aos bons costumes e à boa-fé, logo ineficaz, uma vez que o avalista não tinha patrimônio, nem trabalho, e estava fazendo uma “consignação” de seu futuro, o que é exatamente o caso do crédito estudantil como é apresentado, analisado e concedido. 

as isso torna o crédito estudantil ilegal, de forma a não poder ser concedido e cobrado futuramente? Claro que não. O crédito com a “consignação do futuro” não pode ser simplesmente entendido como “contrário aos bons costumes” e, desta forma, varrido do mercado. O prejuízo seria muito maior, pois retiraria a possibilidade daqueles que foram vitoriosos em administrar o próprio futuro e conseguiram realizar os pagamentos da dívida estudantil. 

Contudo, não é possível que, em uma sociedade dita civilizada, se possa pensar em regimes de escravidão econômica – a chamada “consignação do futuro”. Isso é o que ocorre se a cobrança das dívidas estudantis não observar critérios mais inteligentes, em vez de levar os devedores aos órgãos de restrição ao crédito e os contratos, aos tribunais. 

É preciso adotar regras que permitam a continuidade do sistema. Por exemplo, aplicar a correção monetária a partir do momento em que a dívida deixou de ser paga, sem juros, e levando em conta também se o devedor tem condições econômicas. 

Por isso, se você é um estudante, pegou crédito estudantil, não conseguiu pagar e lhe colocaram no cadastro de inadimplentes dos órgãos de proteção ao crédito, reclame, grite, não fique parado. A consignação que você fez de seu futuro foi para ter um futuro, e não para ser um escravo do banco. 

Artigo publicado no Blog João Antônio Motta – UOL Economia – 01/10/2018

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