Juro composto em banco faz dívida de R$ 40 mil virar R$ 500 mil em 9 anos

 É atribuída ao banqueiro J.P. Morgan a frase de que “O tempo só melhora duas coisas na vida, os vinhos guardados e os juros compostos”. E o banqueiro tem razão. Tome-se como exemplo um financiamento realizado em 2008, há dez anos. Nele foi emprestado o valor de R$ 40 mil à época, para ser pago em 24 vezes a uma taxa de 2,5% ao mês, o que dá uma parcela mensal de R$ 2.236,51. 

O cliente iniciou os pagamentos e, seja por qual razão foi, lá pela 10ª parcela interrompeu os pagamentos. Veja que como se trata de financiamento com prestações iguais e sucessivas, deve ter sido utilizado o sistema de amortização denominado “Tabela Price”, que incorporou os juros compostos às amortizações dos empréstimos e, apesar de já se ter pago R$ 22.365,10 de um saldo devedor inicial de R$ 40 mil, o valor devido na 10ª parcela segundo a “Tabela Price” é de R$ 26.146,87. 

Pois bem, se fosse iniciada uma Ação de Execução em abril de 2009 pelo banco no montante de R$ 26.146,87 e o mesmo viesse a cobrar neste processo “apenas” a taxa mensal capitalizada de 2,5% ao mês, o cálculo neste mês de junho de 2018 estaria em R$ 507.356,88 (quinhentos e sete mil, trezentos e cinquenta e seis reais e oitenta e oito centavos), contra um saldo a juros simples (2,5% x 112 meses) em R$ 99.358,11 (noventa e nove mil, trezentos e cinquenta e oito reais e onze centavos). 

Há de se ver ainda que este saldo devedor em abril de 2009, se trazido a junho de 2018 com correção monetária pela tabela do Tribunal de Justiça, juros simples de 1% ao mês e ainda multa contratual de 2%, chegaria na mesma data em R$ 94.397,64 (noventa e quatro mil, trezentos e noventa e sete reais e sessenta e quatro centavos). 

Inegavelmente J.P. Morgan tem razão. O problema é que, sob forte lobby dos bancos, foram editadas duas súmulas pelo Tribunal que tem a função de uniformizar o entendimento sobre as leis no país, o Superior Tribunal De Justiça. Nas súmulas 539 e 541, o STJ diz que os contratos bancários realizados após 31 de março de 2000 podem ter cláusula que permita a capitalização mensal ou diária de juros e, ainda, que esta cláusula pode ser entendida como a simples referência às taxas mensal e anual, sendo que se a taxa anual for maior que 12 vezes a mensal, está caracterizada e permitida a capitalização dos juros. 

Respeitando tal entendimento, é difícil compreender como se pode entender de boa-fé e cumprindo com o dever de informação, quem entrega R$ 40 mil a um cliente e, após 9 anos, o mesmo está devendo meio milhão de reais. Qual banco informa tal consequência ao cliente? 

Felizmente há na Lei, no Código Civil, disposições que afirmam a obrigatoriedade de reparação por quem comete um ato ilícito (art. 927), bem como que se considera ato ilícito o exercício de um direito que exceda “… os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (art. 187). 

Creio que não pode haver dúvidas que um saldo devedor com correção monetária, juros legais e multa que chegue a R$ 94.397,64 não pode ser exigido a R$ 507.356,88 sem que isso de forma gritante viole no contrato bancário “… os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. 

Portanto, não duvidem que o próximo movimento dos bancos será no sentido de tentar revogar o art. 187 do Código Civil, claramente prejudicial aos vinhos guardados e aos juros compostos. 

Artigo publicado no Blog João Antônio Motta – UOL Economia – 02/07/2018