Juros sobre Juros e o superendividamento de um Banco !

Nas décadas de 80, 90 e até meados de 2000, era comum nos Tribunais os clientes bancários virem discutir a capitalização dos juros, a prática em matemática financeira de acumulação, dos juros sobre juros.

Isso era tido pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL como ilegal (Súmula n.º 121) e, após, com a criação do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, foi entendido que apenas nas situações onde legalmente excepcionado (Súmula 93), tal sistemática poderia ocorrer.  Sendo, desta forma, amplamente ilegal aos bancos cobrarem juros sobre juros.

Evidentemente os bancos não ficaram passivos e, como vivemos no Brasil, onde descaradamente há o que se chama, no processo legislativo, de “jabuti na árvore”, eles buscaram alterar as leis com fortíssimo lobby.

Bem se fixe que a expressão “jabuti na árvore”, atribuída ao falecido Ulysses Guimarães, dizia que “ jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente.   Isso, no processo legislativo, se dá quando parlamentares inserem em uma proposição de lei algo que em absoluto diz respeito ao que se propuseram votar.

Especificamente quanto ao tema dos juros sobre juros, isso se deu desde março de 1996, quando através da Medida Provisória n.º 1.367, que dispunha sobre fontes de custeio para fortalecer o capital do Banco do Brasil, o lobby dos bancos conseguiu colocar um jabuti sobre a possibilidade da capitalização dos juros, o que à época foi denunciado, combatido e caiu.

No entanto, tal como o personagem Joseph Climber, os bancos não desistiram e melhoraram seu lobby de forma que, sempre sob a justificativa que deveriam melhorar a segurança jurídica das operações, conseguiram emplacar em 2004 a Lei da Cédula de Crédito Bancário (10.931), onde tudo aquilo que era ilegal, passou a ser legal e em especial a capitalização dos juros.

Pois bem, entre 2007 e 2008 Dna. Yolanda (nome fictício de um caso real), funcionária pública aposentada, descuidou de suas contas e ficou devendo três contratos a um banco da seguinte forma:

Com a aplicação do entendimento consolidado frente ao SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, o qual afirma poder o banco cobrar juros capitalizados a partir de 31/03/200, se houver cláusula expressamente pactuada (Súmula/STJ n.º 539), sendo considerada “pactuação expressa” se, no contrato, estiver a previsão de juros a taxa anual superior ao duodécuplo da taxa mensal (Súmula/STJ n.º 541), bem como aquele outro entendimento, que diz poder o banco, pelo período de mora, cobrar juros limitados à taxa do contrato (Súmula/STJ n.º 294), tem-se que Dna. Yolanda, no começo de março de 2022 devia:

A aposentada tomou R$ 84 mil reais e, pelo entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, certamente influenciado pelo poderoso lobby dos bancos, hoje deve impagáveis R$ 5 milhões de reais.

Importante ler os seguintes trechos do Recurso Especial n.º 1.519.968/SP, onde o BANCO BRADESCO contesta, contra si, a aplicação de juros capitalizados:

“Esta soma formidável e aterradora, que só tende a crescer pela capitalização de juros que a decisão recorrida coonestou, quebraria qualquer banco do mundo e abalaria o Sistema Financeiro Nacional”

“Involuntariamente embora, o r. pronunciamento agravado criou uma situação teratológica porque somente em caso de loucura furiosa – para repetir expressão do saudoso Ministro Aliomar Baleeiro em voto no STF (RTJ. 64/677) –, se poderia conceber que um alegado prejuízo, no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), estimado em 2005, pudesse ser ressarcido, no mês de abril de 2008, pela quantia de R$ 1.901.965.312,90 …” 

Explicando a capitalização dos juros, o BRADESCO disse em seu recurso:

“Explique-se o aumento estrondoso, de nenhum modo percebido pelo muito ilustre signatário da r. decisão agravada, que apaniguou a capitalização de juros. Pode-se imaginar a quantas leva esse método, mais que ilógico, mais que inadmissível, atentatório do direito, com a conhecida lenda do inventor do jogo de xadrez, que com simulada candura pediu ao monarca, consolado da perda do filho pela invenção, que o recompensasse, colocando, na primeira casa do tabuleiro, um grão de trigo; na segunda, dois grãos; na terceira, quatro e assim, sucessivamente, em progressão geométrica, até a última casa, o que resultaria no montante que os matemáticos da corte calcularam superior ao Himalaia, 18.446.744.073.709.551.615 grãos (MALBA TAHAN, O Homem que Calculava, cap. XVI)”.

“ Violenta qualquer sistema jurídico, agride padrões da moral e da decência que se possa pedir do Judiciário a proteção a tamanha barbaridade. Mas é isto, sem tirar nem pôr, o que, ensandecida, pretende a SAFIC: surrupiar do BRADESCO uma soma

fabulosa, que nem ele nem todos os bancos do planeta dispõem, a qual enriquecer a exequente, entregando-lhe, fosse isto possível, quantia que não lhe ressarciria do suposto prejuízo, mas a transformaria na mais rica empresa do país, do continente e do mundo. Lamenta-se dizer que o despudorado pleito da SAFIC, infelizmente acobertado pela decisão agravada humilha e escandaliza o nobre Judiciário porque o acredita capaz de perfilhar hedionda imoralidade”.

Como se lê em claro e bom português, para o banco, a capitalização dos juros é um método “mais que ilógico, mais que inadmissível, atentatório do direito”, é método que, requerido por uma parte em juízo,  “ violenta qualquer sistema jurídico, agride padrões da moral e da decência”, concluindo estar estarrecido“… que se possa pedir do Judiciário a proteção a tamanha barbaridade”, sendo que a decisão ao deferir a prática de juros compostos “… humilha e escandaliza o nobre Judiciário porque o acredita capaz de perfilhar hedionda imoralidade”.

Bem, Dna. Yolanda concorda com o BRADESCO e, restará saber, se o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no caso, concordará com Dna. Yolanda, porque com o banco no caso acima, ele já concordou, mandando aplicar as taxas líquidas não capitalizadas.

Eta Brasil e seus contrastes.

Cessão Fiduciária de Recebíveis e um conserto muito mal feito

Por João Antônio Motta

Havia uma vulnerabilidade na cessão fiduciária de recebíveis, a popular conta garantida, quando a mesma empresa cedia a diversos bancos as mesmas vendas. Obviamente alguém poderia ficar a descoberto se as vendas não fossem suficientes para pagamento de todas as operações de crédito. Da mesma sorte, travando determinado cartão com uma operação bancária, o cliente mesmo vendendo mais que o crédito garantido, não poderia obter mais crédito sobre o cartão travado.

Em decorrência disso, foi implementado pelo BANCO CENTRAL uma “Registradora” (Circular 3.952/2019 e Resolução 4.734/2019) onde há um cadastro denominado “Unidade de Recebível – UR”,  que visa regularizar e eliminar este risco aos bancos, administrando uma agenda de recebíveis futuros entre cessionários (empresas), os bancos e as adquirentes (administradoras de cartões).

Ocorre que uma cliente foi surpreendida semana passada com a retenção dos recebíveis dos seus cartões de crédito e, procurando o banco, o mesmo informou que isso se deve ao sistema “Central de Gravâmes”. Onde a administradora de cartões retém os valores a fim de uma vez por mês liberá-los, restando assim uma “Conta Gravâme” com créditos e a conta-corrente na agência devedora, gerando juros da conta garantida quando há crédito na referida “Conta Gravâme”.

Ora, há muitos anos o Banco Central determinava em seu Manual de Normas e Instruções que era proibido “provocar a elevação, direta ou indireta, das taxas de juros” (MNI-BACEN 16.7.2.2.a).  Da mesma forma, era e é determinado que as cobranças realizadas pelos títulos ou documentos em garantias de empréstimos devem ser lançados em pagamento até o final do dia útil imediato ao recebimento dos valores pelo banco, de forma a “não reduzir os fundos disponíveis do mutuário” (MNI – BACEN, 16.9.2.3). 

Não bastasse, há uma norma mais clara ainda: “Os saldos credores apresentados pelas contas de empréstimos devem ser transferidos para título contábil específico do grupamento de depósitos, na data de sua ocorrência” (MNI – BACEN, 16.9.2.4). 

Isso quer dizer que o “floating” realizado pela administradora de cartões, impedindo a empresa de realizar o pagamento dos empréstimos de sua responsabilidade é francamente indevido, sendo não menos claro que tal sistemática vai afetar todos os clientes bancários que têm cessão fiduciária de recebíveis em garantia dos empréstimos, pois vão ter de usar liquidez própria – que evidentemente não têm – ou recursos do cheque empresarial, o que vai de encontro às normas e princípios acima antes alinhados. 

É certo que os atores neste cenário, banco e administradora de cartões, recebendo os valores dos títulos e documentos em cobrança e estando garantindo empréstimos, devem sem demora colocar o dinheiro recebido em pagamento do empréstimo respectivo, sob pena de multiplicarem problemas quando o foco é apresentar soluções de crédito. 

Por isso, a cliente apresentou reclamação junto ao BANCO CENTRAL para revisão destes procedimentos, a fim de que os valores dos seus créditos sejam, sem demora, acolhidos para os pagamentos de empréstimos que garantem, evitando a elevação indireta dos juros destas operações e, ainda, a necessidade de tomar recursos da conta garantida, o que é o pior cenário a quem já utiliza recebíveis para adiantar capital de giro.

Compras no exterior: um problema que pode ficar no passado

Durante muitos e muitos anos, os viajantes internacionais voltavam ao Brasil rezando. As compras feitas no exterior com cartão de crédito eram convertidas ao valor do dólar na data de fechamento da fatura, e não da compra.

Não bastasse, algumas administradoras de cartão e bancos usavam a taxa do dólar comercial, outras, do dólar turismo e, algumas, além da taxa de conversão, ainda colocavam um percentual que chamam de “spread” ou “taxa de equalização cambial”.

Se o Brasil tivesse um soluço na economia que provocasse uma desvalorização do câmbio, nesse meio tempo o cliente veria suas contas aumentaram vertiginosamente, comprometendo até mesmo a possibilidade de pagamento.

A questão é: o “spread” ou “taxa de equalização cambial”, se não estiver de forma clara e transparente contratada, não pode ser cobrado. Isso é pacífico. Contudo, a diferença do câmbio, do valor do dólar entre a data da compra e o fechamento da fatura, eram e são rotineiramente cobrados.

A boa notícia é que, na última semana, o Banco Central lançou a Circular n.º 3.918,  que favorece o consumidor e torna mais fácil de planejar o orçamento nas compras internacionais com cartões de crédito.

Para os cartões novos, a emissora ou o banco devem dar ao cliente a opção entre usar o dólar da data da compra ou da data do fechamento da fatura. Para os cartões já emitidos, a opção será sempre usar o valor do dólar da data da compra.

Isso favorece em muito o cliente, porque, sabendo antes qual o valor do dólar, a decisão de comprar ou não é muito mais fácil e tranquila, sem surpresas posteriores.

Interessante que a Circular do Banco Central permite que a emissora ou os bancos ofereçam ao cliente a opção de realizar o pagamento pela conversão do dólar na data da compra ou na data do fechamento da fatura. Em tese, isso permitiria que o consumidor, em uma eventual queda do dólar, pudesse se favorecer e pagar menos reais do que na data da compra.

Não creio que isso seja correto, pois se não era ou é certo que emissoras e bancos lucrem com a diferença da taxa do câmbio, o caminho inverso também não parece ético. Aliás, o correto nem seria a conversão do dólar na data da compra, mas na data em que o banco paga ao comerciante onde foi feita a compra.

Enfim, como na área bancária todas as flores têm espinhos, essa boa notícia vem de arrasto com a má notícia: esse sistema somente passará a valer a partir de 1º de março de 2020. Enquanto isso, vigiem com atenção suas faturas, verifiquem o contrato para ver se as cobranças estão sendo realizadas como ajustado e, principalmente, vigiem as taxas de câmbio e a moeda (Ptax) contratada.

Artigo publicado no Blog João Antônio Motta – UOL Economia – 03/12/2018

Associação de bancos cria regras para atender melhor (tomara!) consumidores.

Com vigência desde 1991, a Lei n.º 8.078/90 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor foi um marco nas relações entre bancos e clientes. E, por muitos e muitos anos, foi contestada pelos bancos.

Os tribunais, ano após ano, decisão após decisão, forçaram os bancos a acatar e observar o Código de Defesa do Consumidor e, agora, já no início de um novo século, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) anuncia um sistema de autorregulação dos bancos, que dá um passo adiante ao próprio sistema de defesa do consumidor.

Entendam, o CDC continua aplicável às relações entre bancos e clientes, mas os próprios bancos escolheram operar uma autorregulação que vai além. Estabeleceram os bancos e divulgaram agora, no início de novembro, que a partir de 1º de janeiro de 2019 estarão sujeitos a um novo “Código de Conduta Ética e Autorregulação”, que se dividirá no que a Febraban chamou de eixos normativos do sistema.

Essas normas, esse Código de Conduta, estará dividido em “relacionamento com o consumidor”, “prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo” e, finalmente, “responsabilidade socioambiental”.

Assim, ao aderirem a um, dois ou três eixos, os bancos serão responsáveis por prestar informações claras e precisas aos seus clientes, preservando a transparência e excelência nas informações junto aos consumidores. Enfim, os bancos se comprometem a cumprir e observar diretrizes, procedimentos e melhores práticas possíveis no interesse da massa de clientes.

Quanto à prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, os bancos adotarão mecanismos de investigação e transparência com objetivo de dificultar tal comportamento, com práticas de informação que não deixem margem a dúvidas quanto à origem e destinação dos recursos.

No tópico de responsabilidade socioambiental, os bancos se comprometem que os recursos por eles destinados não representem a formação de passivos ou prejuízos sociais e ambientais.

Como se vê, os bancos dão um passo adiante e em uma convenção de autorregulação. Ou seja, não é mais só a lei que diz como eles devem ser eticamente, mas a própria associação como um todo que diz que não irá tolerar quem pratica desvios de conduta, seja em detrimento de clientes, em prejuízo da sociedade ou do entorno social e ambiental.

Inclusive, para fiscalizar e orientar tais diretrizes, a Febraban abriu um canal eletrônico de comunicação chamado “Conte Aqui”, que está no site da autorregulação bancária, “onde os consumidores podem reportar eventuais falhas que identifiquem nas condutas dos bancos em seu relacionamento com eles”. Vejam, a própria Febraban agora trata como consumidores aqueles que sempre foram tratados como “clientes bancários”.

Aliado ao canal de comunicação com a Febraban, há ainda acesso à plataforma de resolução de conflitos “consumidor.gov.br”, onde, segundo a entidade, de cada dez reclamações, oito são resolvidas sem necessidade que o consumidor tenha de recorrer ao Procon ou à Justiça.

Nesses tempos em que se exige ética e transparência acima de tudo, onde não se toleram mais a esperteza e o jeitinho, os bancos dão um passo adiante e, sinceramente, esperamos que superem o texto e apresentem com boa-fé a prática das boas ações em benefício dos clientes, dos consumidores.

Há futuro para as agências bancárias?

Com o desenvolvimento da tecnologia, o número de colaboradores dos bancos está reduzindo diariamente e as agências, sendo fechadas. Qual o modelo de banco que vai existir no futuro?

Os clientes perguntam e têm a resposta: por que vou ao banco enfrentar uma fila se posso realizar a operação pelo aplicativo no celular? Sim, todos sabem que ir ao banco não é uma tarefa agradável, e o que torna a decisão fácil ou não é a maior ou menor confiança no sistema digital.

A “Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária 2018” mostra que, em 2017, o mobile banking, o aplicativo no celular ou tablet, caiu definitivamente no gosto dos clientes. Segundo os dados colhidos, são 56 milhões de contas ativas neste canal, e isso se dá pela confiança no aplicativo.

No início da era digital, com o internet banking, a questão da segurança dos dados e a possibilidade de elementos mal intencionados copiarem, muitas vezes com perfeição, os sites dos bancos, assustava dia a dia quem buscava a praticidade e conforto de ir ao banco sentado no sofá de sua casa.

Com a evolução dos aplicativos para os computadores, a maioria dos clientes recuperou a confiança, e os bancos passaram a desencorajar a utilização do internet banking pelo navegador, uma porta sempre acessível aos mal intencionados.

Firmado e encorajado o uso dos aplicativos em computadores, por que não ver a mesma segurança no “app” que cabe na palma de sua mão? A migração aos smartphones e tablets foi imediata, vindo os bancos a desenvolverem novos programas e tecnologias para buscar e fidelizar a massa de clientes.

Por isso, o movimento das transações digitais contra as transações físicas é algo sem retorno. Os bancos serão digitais.

Mas e as agências? Ora, o estudo da Febraban aponta que as mesmas serão canais onde a presença física para tratar de assuntos mais complexos é indispensável. E nas cidades, nas grandes cidades do país, creio que isso é realmente o cenário futuro.

Acontece que o Brasil é quase um continente, com enormes desigualdades, e, nos seus rincões, não é possível antever um futuro digital com tanta celeridade. Em minha avaliação, vejo um fluxo de encerramento de agências forte e contínuo no sul/sudeste, mas uma maior presença em cidades do norte/nordeste e em algumas regiões do centro-oeste.

O quadro de agências físicas no Brasil está assim colocado:

O sudeste abriga 52% das agências e, claro, é onde o Brasil apresenta seus melhores índices de tecnologia. Com o avanço da internet e do mobile banking, isso deve resultar em grande fechamento de agências físicas.

Enfim, no Brasil, por suas dimensões e desigualdades, estamos longe ainda do fim das agências físicas, mas, certamente, nos grandes centros a migração ao mobile banking é irreversível.

Artigo publicado no Blog João Antônio Motta – UOL Economia – 19/11/2018

Nova duplicata fará bancos baixarem juros? Mais fácil acreditar em duende

 As duplicatas são títulos semelhantes aos cheques e notas promissórias e, como o nome diz, são “duplicatas”, cópias das notas fiscais. Servem basicamente para representar uma compra e venda a prazo no comércio e por prestadores de serviços. 

A lei das duplicatas é de 1968 e tem um procedimento que envolve a ida e vinda de papéis, o que não é muito lógico em tempos de internet. Em uma venda com prazo de pagamento igual ou superior a 30 dias, o comerciante emite a duplicata, envia ao cliente e este, a aceitando e colocando sua assinatura, a remete de volta. 

Este título aceito pelo devedor permite que o comerciante vá ao banco e o desconte. Como tem a garantia pessoal do comerciante e do seu cliente, o banco concede uma taxa de juros menor. 

Acontece que este procedimento, esta ida e vinda ao cliente se perdeu no passar do tempo. Hoje o comerciante sequer vai ao banco, faz apenas uma relação pela internet ou no aplicativo do banco das suas vendas, com os elementos das notas fiscais, e o banco se encarrega de enviar o boleto ao cliente. 

Estas cobranças são contabilizadas em uma conta e, sobre esta conta, chamada conta garantida, o banco abre um limite de crédito. 

Como se vê, a própria contratação de desconto que é uma das mais típicas operações bancárias também se perdeu no tempo. 

A maioria dos negócios com duplicatas são realizados pela sua cessão fiduciária. Que é a transferência ao banco da propriedade dos créditos das vendas do comerciante. 

Hoje está em vias de sanção presidencial o Projeto de Lei n.º 9.327/2017, para regulamentar a emissão eletrônica da duplicata. Na verdade, o sistema previsto na lei é uma espécie de câmara de compensação das vendas no país, o que impede a emissão de “duplicatas frias”, títulos emitidos por comerciantes que precisam fazer caixa e se arriscam ao crime. 

Com este sistema, haverá mais segurança aos bancos em relação ao recebimento destas vendas como garantias de empréstimos. E dizem que isso será fundamental para a queda dos juros. 

Como nós gostaríamos de acreditar. 

A verdade é que os bancos sempre gritaram que a falta de segurança jurídica e de leis que lhes entregassem a possibilidade de recuperar os créditos de forma mais rápida, era a razão determinante para que os juros não baixassem. 

Acontece que vieram várias reformas processuais, como a lei da alienação fiduciária dos créditos do comerciante, o Código Civil, a lei da cédula bancária, a nova lei de falências e recuperação judicial, e nada, absolutamente nada destas novas leis que conferiram não só segurança mas presteza na recuperação dos créditos serviu para os bancos reduzirem seus juros. 

Imaginar que a segurança no saque e circulação da duplicata servirá para a banqueirada baixar os juros é acreditar em duendes. Aliás, creio que duendes têm mais fundamentação do que a queda dos juros. 

Artigo publicado no Blog João Antônio Motta – UOL Economia – 22/10/2018

Poupança tem mais de 150 anos, mas ainda é um investimento com atrativos

 A caderneta de poupança foi criada com a Caixa Econômica Federal em 1861 por Dom Pedro II, tendo sua remuneração em juros de 6% ao ano. Em 2012, com a queda de juros básicos (Selic), passou a ser mais atrativa que os títulos da dívida pública, e o governo mudou seu critério de rendimento. Isso ocorreu porque os títulos são uma forma do governo se financiar. Se os investidores fossem em massa para a poupança, o governo teria menos recursos 

Assim, depois de 2012 se a Selic ficar acima de 8,5% ao ano, a poupança renderá TR mais 0,5% ao mês. Se a Selic baixar de 8,5% ao ano, a remuneração da poupança será TR mais 70% da Selic. 

Já a TR é uma “taxa referencial” calculada pela média dos que os bancos pagam em CDBs, mas com um redutor, que é calculado e aplicado pelo governo, valendo dizer que a TR será o percentual que o governo bem entender. 

Mas a poupança está ruim? Se você analisar os Fundos de Investimento a resposta será que a poupança vai muito bem obrigado. 

Veja por exemplo os Fundos DI que buscam acompanhar a variação do CDI, certificado de depósito interbancário que, por sua vez, tem variação muito próxima à Selic. Quando a Selic sobe estes fundos são muito atrativos, ocorrendo o inverso quando a Selic despenca, como agora que está em 6,5% ao ano. 

As aplicações em Fundos DI são conservadoras e, como a poupança, têm liquidez diária e podem constituir tanto uma reserva de longo prazo ou parcela de uso diário. Acontece que os Fundos cobram taxa de administração de 1% a 3% e há ainda a parcela de Imposto de Renda variável de 15 a 22,5%, dependendo do prazo de resgate. 

Já a poupança não tem taxa de administração, não paga Imposto de Renda e tem garantia do FGC – Fundo Garantidor de Créditos até R$ 250 mil. Como se vê, a velhinha apesar da baixa remuneração ainda tem seus atrativos. 

Não foi por outro motivo que em setembro passado os depósitos superaram os saques na poupança em R$ 8,5 bilhões. 

Muitos falam que isso se deu porque os investidores estão procurando a segurança da poupança frente a um cenário político incerto. Contudo, o que dá a entender é que a poupança sem o Imposto de Renda, em a taxa de administração e com a garantia do FGC tem atraído esta migração de uma enorme massa de depositantes dos Fundos de Investimento, não necessariamente por conta de uma troca de rumo no governo, mas pelo rendimento pura e simplesmente. 

Vejam que em setembro os Fundos DI remuneraram 0,40% bruto, do que se deve descontar a taxa de administração e o imposto de renda, sendo que a poupança entregou rendimento de 0,37% no mês, o que justifica de forma clara a migração. 

Como disse, a velhinha ainda tem seus atrativos e se manter a Selic na baixa é uma opção tão boa quanto em 1861. 

Artigo publicado no Blog João Antônio Motta – UOL Economia – 15/10/2018

Contrato com banco permite que ele pegue seu dinheiro em caso de dívidas

 Com a criação do crédito consignado, os clientes dos bancos tiveram conhecimento de um mecanismo que está em todos os contratos bancários. Este mecanismo tem a ver com a simplificação do pagamento e praticidade ao cliente e ao banco. Em todos os contratos bancários, há uma cláusula que permite ao banco, no vencimento da prestação, entrar na conta corrente do cliente e pegar os valores necessários ao pagamento. 

É exatamente por isso que o primeiro contrato que todo cliente assina com o banco é a abertura de sua conta corrente. 

A situação fica tensa quando nesta mesma conta corrente você recebe seu salário. 

Não é raro que as pessoas percam o fio da meada com os créditos que os bancos lhes oferecem. Logo que você abre a conta, o banco dá um limite de cheque especial de R$ 5 mil. No mesmo pacote não é raro você ter mais R$ 5 mil no cartão de crédito. 

Havendo um problema no cartão, você refinancia um saldo devedor de R$ 7 mil e, aparentemente, tudo começa a andar bem novamente, pois com seu salário e as prestações caindo na conta, que continua com seu limite de crédito, os pagamentos estão sendo feitos e tudo parece bem. 

Mas justamente por você todo mês ter um crédito depositado em conta, o banco não corta o limite total de seu cartão e lhe deixa ainda R$ 2 mil. Mais uma vez as contas vencem e você novamente tem de fazer um novo contrato para pagamento do saldo do cartão. 

A partir daqui sua conta salário começa a ficar curta para os pagamentos, pois você tem o cheque especial para cobrir, o cartão de crédito e ainda 2 financiamentos, o que leva você a um problema maior. Seu limite de cheque especial é cortado. 

Agora, você tem seu salário e ele não cobre as suas despesas e as dívidas contraídas com o banco. 

Se você pensa na portabilidade da conta salário, a possibilidade de a transferir a outro banco, saiba que isso não é uma solução. O dinheiro que o seu banco original vai transferir ao novo banco só será liberado após o desconto das prestações devidas. 

Uma chance seria transferir, junto ao empregador, a conta salário a outro banco, mas isso fica ao critério e conveniência do empregador e também pode ser uma missão impossível. 

A saída é uma ação judicial? Sim e não. O cuidado a ser tomado é que o Tribunal que tem a última palavra sobre a questão, o Superior Tribunal de Justiça, modificou seu entendimento de que esta cláusula é abusiva e ainda vem confirmando a sua validade. A questão é que os descontos não podem impedir que o cliente bancário tenha a possibilidade de dar a si e sua família um sustento digno. 

O STJ decidiu na semana passada que o salário, que legalmente é impenhorável, pode ser penhorado para o pagamento de dívidas desde que não retire do devedor a possibilidade de se sustentar e a sua família. A conclusão aqui deve ser no mesmo sentido: o banco só pode realizar débitos se não comprometer o sustendo do seu cliente e de sua família. 

Artigo publicado no Blog João Antônio Motta – UOL Economia – 08/10/2018

Crédito educativo para ter futuro ou para virar escravo de um banco?

 Desde 2016, o crédito educativo nos Estados Unidos afundou em uma crise sem precedentes, culminando em 20% de inadimplência ao final de 2017. No Brasil, a situação não é diferente: de 2,7 milhões de contratos, há 453 mil inadimplentes, ou 16,78% do total. 

A situação é preocupante, pois a política de crédito educativo, segundo a Constituição Federal, deve ser uma política de Estado e não de governo. Além disso, a concessão do crédito educativo e a forma de lidar com aqueles que não conseguem pagar a dívida deveriam estar sujeitas a critérios especiais, e não seguir as regras convencionais impostas pelas instituições financeiras. 

Como isso não está sendo feito, a situação ganha contornos mais dramáticos ainda. A inadimplência está levando milhares de jovens a serem negativados nos órgãos de restrição ao crédito e até a processos de execução pendentes na Justiça, bem no momento em que precisam disputar o mercado de trabalho. 

Ao apresentar o livro “Superendividamento”, de Geraldo Martins Costa (Ed. RT, 2002, p. 13), citando precedente dos tribunais na Alemanha sobre o controle judicial de contratos bancários, a professora Cláudia Lima Marques escreveu: “A novidade foi considerar contrária aos bons costumes uma exigência mais fictícia do que real, isto é, um aval por uma pessoa sem patrimônio, um filho estudante ou uma dona de casa, sem condições reais de pagar a dívida (muito estudante ou uma dona de casa, sem condições reais de pagar a dívida (muito superior às suas possibilidades atuais) e que necessitaria passar toda a sua vida a trabalhar para pagá-la, uma verdadeira dívida asfixiante se exigida no futuro”. 

Isso, como disse a professora Cláudia, foi considerado contrário aos bons costumes e à boa-fé, logo ineficaz, uma vez que o avalista não tinha patrimônio, nem trabalho, e estava fazendo uma “consignação” de seu futuro, o que é exatamente o caso do crédito estudantil como é apresentado, analisado e concedido. 

as isso torna o crédito estudantil ilegal, de forma a não poder ser concedido e cobrado futuramente? Claro que não. O crédito com a “consignação do futuro” não pode ser simplesmente entendido como “contrário aos bons costumes” e, desta forma, varrido do mercado. O prejuízo seria muito maior, pois retiraria a possibilidade daqueles que foram vitoriosos em administrar o próprio futuro e conseguiram realizar os pagamentos da dívida estudantil. 

Contudo, não é possível que, em uma sociedade dita civilizada, se possa pensar em regimes de escravidão econômica – a chamada “consignação do futuro”. Isso é o que ocorre se a cobrança das dívidas estudantis não observar critérios mais inteligentes, em vez de levar os devedores aos órgãos de restrição ao crédito e os contratos, aos tribunais. 

É preciso adotar regras que permitam a continuidade do sistema. Por exemplo, aplicar a correção monetária a partir do momento em que a dívida deixou de ser paga, sem juros, e levando em conta também se o devedor tem condições econômicas. 

Por isso, se você é um estudante, pegou crédito estudantil, não conseguiu pagar e lhe colocaram no cadastro de inadimplentes dos órgãos de proteção ao crédito, reclame, grite, não fique parado. A consignação que você fez de seu futuro foi para ter um futuro, e não para ser um escravo do banco. 

Artigo publicado no Blog João Antônio Motta – UOL Economia – 01/10/2018

Anúncio de banco deveria alertar que crédito em excesso prejudica o bolso

 É importante ter presente que o Código do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) é aplicável aos bancos e demais instituições financeiras (Súmula/STJ n.º 297), sendo que esta lei é extremamente severa quanto a publicidade ser enganosa ou, até mesmo, poder enganar – mesmo não sendo este o objetivo – o consumidor. A lei até mesmo qualifica como crime veicular publicidade que o banco “sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança” (art. 68) 

Este é o objetivo deste texto, apontar que o banco, como especialista na concessão do crédito, não pode desconhecer, ignorar, ou de qualquer forma se afastar do que “deveria saber” sobre a concessão do crédito. E certamente “deveria saber” o banco que a concessão do crédito, sua oferta indiscriminada em um ambiente que os indivíduos com pouca ou nenhuma educação financeira rumam a passos largos ao superendividamento deve ser acompanhada, necessariamente, de alertas. 

Notem que a publicidade dos bancos, normalmente veiculadas em horários nobres da televisão, aqueles onde há maior audiência, normalmente alardeiam a facilidade na obtenção de empréstimos e até mesmo induzem as pessoas a procurar “socorro” em mais crédito para “resolver os seus problemas”. 

A verdade é que aqueles sem problemas em breve serão contemplados com dificuldades e, noutra ponta, aqueles atolados no crédito, com mais empréstimos terão mais problemas ainda. A sociedade é totalmente orientada para o consumo e, não raro, são seguidas as matérias de jornal onde se falam de pessoas que procuram “curar” a depressão com uma tarde de compras no shopping. 

O resultado da “cura” vai ser uma depressão mais severa ainda quando os boletos vierem pelo correio. 

Por absurdo, em pleno momento de campanha política, há certo e determinado partido que insiste no erro já feito no passado de “circular o dinheiro pela mão do povo” para “aquecer” a economia. Por este mecanismo, o endividamento das pessoas, dos lares, estimula o consumo e aquece a economia, o que é verdade. Contudo, isso é uma forma ruim de financiar a atividade econômica pois não é sustentável a médio e longo prazo, pois viver de crédito não é um bom hábito de vida. 

A ressaca do crédito é a recessão, o endividamento e, neste ponto, há outro candidato que propõe tirar todos dos órgãos de restrição ao crédito. Como se vê, neste país as coisas caminham pelo surreal, pelo imaginário. 

O ponto é que, como as propagandas de bebidas alcóolicas e cigarros, as de oferta de crédito deveriam vir com um alerta de que “crédito em excesso é prejudicial à saúde financeira”. Os bancos e instituições financeiras não percebem que se a oferta de crédito não mostrar de forma clara ao consumidor os problemas que isso pode acarretar, geram não só responsabilidade de indenizar os prejuízos mas, principalmente, responsabilidade criminal, com possibilidade de detenção de até dois anos e multa. Assim, se você não foi orientado pelo banco quanto aos riscos de pegar sucessivos empréstimos e isso lhe deu prejuízos, fique certo que o banco é responsável em lhe indenizar e pode, inclusive, ser condenado criminalmente. 

Artigo publicado no Blog João Antônio Motta – UOL Economia – 24/09/2018